Por que mudar é tão difícil? O que a TCC e a neurociência explicam sobre o medo de sair da zona de conforto
- Sabrina Ramos Maurer
- há 4 dias
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Você provavelmente já passou por isso: saber que precisa mudar, sentir que a vida não está do jeito que gostaria, mas continuar no mesmo lugar. Essa dificuldade não é preguiça ou falta de força de vontade — é o resultado de mecanismos psicológicos e neurológicos que influenciam nossas escolhas.
Segundo a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e estudos da neurociência, a mudança só acontece quando a dor de continuar como está se torna maior que a dor de mudar.
O cérebro e a aversão ao desconforto
Nosso cérebro foi moldado para evitar riscos e economizar energia. Isso significa que, mesmo diante de uma situação ruim, ele tende a preferir o que é previsível ao que é desconhecido. Essa tendência é explicada pelo fenômeno chamado aversão à perda (Kahneman & Tversky, 1979), que mostra como sentimos mais intensamente o impacto de perder algo do que o prazer de conquistar algo novo.
Na prática, significa que o desconforto da mudança costuma parecer mais ameaçador do que o sofrimento de continuar como estamos — até que a situação se torne insuportável.
A zona de conforto na visão da TCC
Na TCC, a “zona de conforto” não é sinônimo de bem-estar, e sim de padrões conhecidos — formas de pensar, sentir e agir que já aprendemos e repetimos. Mesmo que tragam sofrimento, esses padrões oferecem previsibilidade.
Sair dessa zona exige enfrentar pensamentos automáticos e distorções cognitivas, como:
“Vai ser muito difícil.”
“Eu não vou dar conta.”
“E se tudo der errado?”
Esses pensamentos aumentam o medo e alimentam comportamentos de evitação.
Por que muitas pessoas só mudam diante de crises
O Modelo Transteórico de Mudança (Prochaska & DiClemente, 1994) descreve que muitas pessoas permanecem em estágios iniciais de contemplação até que algo aumente o senso de urgência. Em outras palavras: a ação costuma surgir quando o sofrimento com o problema supera o medo da mudança.
O desafio neurológico da mudança de hábitos
A neurociência mostra que mudar exige neuroplasticidade — criar novas conexões neurais e enfraquecer as antigas. No início, isso demanda mais esforço mental, pois o cérebro prefere usar os caminhos já consolidados (Graybiel, 2008).Esse esforço gera desconforto, que pode ser temporário, mas é intenso no começo.
Como a TCC pode ajudar nesse processo
A Terapia Cognitivo-Comportamental oferece estratégias práticas para enfrentar o medo da mudança e criar novos hábitos de forma sustentável:
Identificação de pensamentos automáticos – Reconhecer ideias que aumentam o medo e a evitação.
Reestruturação cognitiva – Substituir interpretações distorcidas por percepções mais realistas e encorajadoras.
Exposição gradual – Enfrentar aos poucos situações que provocam ansiedade, reduzindo seu impacto.
Treino de habilidades – Desenvolver competências emocionais e comportamentais para lidar com desafios.
Conclusão
Mudar é um processo que envolve tanto fatores emocionais quanto neurológicos. O desconforto inicial é natural — é o cérebro se adaptando a novos caminhos. Quando entendemos que a dor da mudança é temporária, mas a dor de permanecer pode durar a vida inteira, damos espaço para transformar não só nossos hábitos, mas também nossa forma de viver.
Referências:
Beck, J. S. (2011). Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. Artmed.
Beck, A. T., Rush, A. J., Shaw, B. F., & Emery, G. (2017). Terapia Cognitiva da Depressão. Artmed.
Dobson, D., & Dobson, K. S. (2018). Evidence-Based Practice of Cognitive-Behavioral Therapy. Guilford Press.
Hofmann, S. G., Asnaani, A., Vonk, I. J., Sawyer, A. T., & Fang, A. (2012). The Efficacy of Cognitive Behavioral Therapy: A Review of Meta-analyses. Cognitive Therapy and Research, 36(5), 427–440.
Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk. Econometrica.
Prochaska, J. O., & DiClemente, C. C. (1994). The Transtheoretical Approach: Crossing Traditional Boundaries of Therapy. Krieger Publishing.
Graybiel, A. M. (2008). Habits, rituals, and the evaluative brain. Annual Review of Neuroscience.

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